A semana foi marcada pela divulgação da nova música de Chico Buarque, Querido Diário, que traz o lamentável verso “Amar uma mulher sem orifício”.
Em solidariedade ao compositor carioca, e por aquele sentimento já
adequadamente batizado de “vergonha alheia”, o site de VEJA reuniu
catorze infames passagens da MPB. Vale dizer que nem todas as pérolas
produzidas pelo cancioneiro popular brasileiro se devem a um problema de
embocadura. Como o livro inglês An Anthology of Bad Verse demarcou já em 1930, há aquele verso que é ruim, ruim (o bad bad verse) e o bom verso ruim (o good bad verse).
Ao primeiro tipo, se afiliam aqueles que penam para fazer algo de
qualidade, e raramente conseguem. Ao segundo, os que entendem do
riscado, mas tropeçam no gosto ou numa ideia estúpida - e são esses os
que fornecem os mais versos mais gritantemente ruins, caso do autor de Roda Viva. Confira os trechos mais infames da MPB e decida, por conta própria, em que grupo cada verso se encaixa.
Noel Rosa
Um consolo a Chico Buarque: os mestres também cometem os seus pecados. O
namoro de Noel Rosa com a carreira médica, que ele cogitou seguir, pode
ser usado como justificativa, mas não basta. Em Coração (Samba Anatômico),
o poeta da Vila Isabel dá uma saracoteada na poesia, misturando
descrições clínicas do dito cujo ("Coração, grande órgão propulsor /
transformador do sangue venoso em arterial”) com metáforas
penitenciárias ("Coração, tu és pro bem-estar do nosso sangue / O que a
casa de correção / É para o bem da humanidade"). Um samba do crioulo
doido.
Ary Barroso
O que não se faz pela métrica, pode-se perguntar quem encontra o óbvio ululante na letra de um compositor de recursos como Ary Barroso. O que não se fazia também para atender às orientações, feitas na era Vargas, de criar odes à nação, pode-se acrescentar. Seja como for, é uma sorte que o coqueiro citado em Aquarela do Brasil dê coco e não outra fruta. Ou talvez nem se pudesse amarrar ali uma rede nas noites claras de luar.Caetano Veloso
A Luz de Tieta, música-tema de Tieta do Agreste,
filme de Cacá Diegues baseado no romance de Jorge Amado, tem algo de bom
e algo de ruim. Mas põe ruim nisso. Numa música de passagens como "Tem
de se esconder no escuro / quem na luz se banha" e "Toda noite, a mesma
noite / a vida é tão estreita", é duro cair num refrão como "Eta, eta,
eta/ É a lua, é o sol/ É a luz de Tieta". Ele carrega a muleta
mais cômica da MPB. Diferentemente de "da-da", que poderia remeter à
vanguarda europeia em "Viva a banda-da-da-da-da" (Tropicália), "eta" não diz nada. É um marco na categoria rima infame.
Gilberto Gil
Parceiro de Caetano, o criativo ex-ministro da Cultura também já deu as
suas viajadas. Nada que destoe do perfil de quem assumiu um ministério
recomendando "uma espécie de do-in antropológico, massageando pontos vitais, mas momentaneamente desprezados ou adormecidos, do corpo cultural do país". Em Chuckberry Fields Forever,
composta para o grupo Doces Bárbaros, que formou com Caetano Veloso,
Maria Bethânia e Gal Costa nos anos 1970, ele foi longe. A letra toda é
um tratado de literatura fantástica, mas o verso "os quatro cavaleiros
do após-calipso", com um trocadilho neologista caro a Gil, é exemplar.
Vale também conferir sua performance dançante, aqui.
Djavan
O alagoano Djavan mereceria todo um livro sobre a bizarrice das suas letras. Mas, em prol da democracia, figuram apenas dois cases por aqui - além de um terceiro que, pode-se dizer, é culpa sua. Não se sabe como Djavan aprendeu a paquerar - se com um personal paquera ou em livros de autoajuda. O certo é que ele tem sorte de ter nascido bonito - e bom de melodia. Porque, se depender de cantadas como a que passa em Te Devoro, estaria até hoje na seca. A menos que Djavan estivesse interessado em uma paleontóloga, é difícil imaginar para quem poderia endereçar versos como "Tudo o que Deus criou pensando em você/ Fez a Via Láctea, fez os dinossauros / Sem pensar em nada, fez a minha vida / E te deu".Mais aqui:http://veja.abril.com.br/noticia/celebridades/versos-e-rimas-infames-da-musica-popular-brasileira-mpb
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