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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Ação Cultural pela voz

por Júlio Medaglia

A década de 60 foi, sem dúvidas, a mais excitante e criativa da segunda metade do século XX (algo parecido com os roaring twenties da primeira metade). Conceitos, políticas, comportamentos, idéias, estilos, absurdos, cânones, verdades e mentiras se transformavam de um extremo a outro com enorme naturalidade. Até na área do entretenimento, a música popular deixava de ser um mero objeto de consumo supérfluo para assumir importância cultural agressiva. Internacionalmente, a arma dessa guerra revolucionária era a guitarra em triste - municiada pelo rock - e no Brasil o Tropicalismo excitava corações e mentes, puxando o carro da movimentação artística como um todo. Em organismos culturais brasileiros, captando como ninguém o espírito dessa época, era formado na Universidade de São Paulo o Coralusp. Enquanto, na mesma universidade, a orquestra nada mais fez que tocar sinfonias de Haydn e o prelúdio da Quarta Bachiana, o Coralusp saiu com sua metralhadora giratória cultural, encarando os mais variados e contraditórios repertórios, encomendando obras, formando regentes, arranjadores, compositores, orientadores nas áreas de técnica vocal e estruturação e adotando uma prática musical corajosa, que envolvia não apenas apresentações de obras como atuações performáticas. O trabalho de animação cultural de grande porte teve imenso significado não apenas para o público, que era contagiado pela agressividade das idéias, como para os próprios estudantes, que saíam da universidade com uma experiência artística de importância para suas vidas.

Formado em 1967 por Benito Juarez, com a ajuda de José Luis Visconti, o coral reuniu inicialmente estudantes da Escola Politécnica e da de Enfermagem até atingir a abrangência maior dos últimos anos. E como a diversidade de propostas musicais era grande, as 600 vozes do coro acabaram por se reunir em 11 diferentes grupos, conduzidos por 10 maestros - todo oriundos do prórpio organismo e alunos de Juarez e Damiano Cozzella, importante colaborador - quase um guru - na edificação desse organismo. Embora todos os conjuntos se esmerassem em garantir alta qualidade técnica e artística, dominando o repertório da música renascentista, base da fina emissão vocal, cada um deles procurou um caminho próprio. E esses caminhos envolvem, alem da música da Renaascença, composições de todas as épocas, estilos, países, gêneros - populares ou eruditos, brasileiros ou não - obras experimentais, primeiras audições e assim por diante. Isto sem abdicar das grandes obras corais-sinfônicos, cantadas por todos e regidas por Benedito Juarez. Obras cmo a Nona de Beethoven, Réquiem e Missa da Coroação de Mozart, Carmina Burana de Orff, Missa em si menor de Bach, Les Noces e Sinfonia dos Salmos de Stravinsky, Mandu-Çarará e Magnificat de Villa-Lobos, Missa Diligite de Camargo Guarnieri, Rei David de Honneger, Messias de Händel, Salmo 90 de Ives, O Guarani, Colombo e Noite no Castelo de Carlos Gomes e tantas outras fazem parte do repertório desse coral. Alem das inúmeras turnês internacionais por quatro continetntes, o Coralusp gravou três discos. Suas atividades incluem 130 apresentações anuais.

O maestro Benito Juarez levou esse espírito de prática e excitação cultural para Orquestra Sinfônica Municipal Campinas durante os 25 anos que a dirigiu. Assim a orquestra tornou-se, além da boa qualidade técnica alcançada, o mais destacado organismo sinfônicono País em termos de diversidade de idéias, divulgação e provocação cultural.

Espero que o Coralusp reúna os elementos dessa rica e competente ação cultural através do uso da voz coletiva em um compêndio, para que ele sirva de base para entidades que existem ou venham a ser formadas, afim de que elas entendam que o canto coral não é apenas um passatempo para desocupados de fim de semana, mas um sério vetor de iluminação cultural neste mundo tão massacrado pela mais agressiva poluição sonora jamais vista na história.

Fonte: Revista Concerto - junho/2002

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