Para o ouvinte naturalmente curioso, o acervo da música clássica parece ser um baú sem fundo e repleto de boas surpresas. Antonio Lotti? Aqui no Brasil, mesmo entre os músicos profissionais poucos já ouviram falar dele. E, entretanto, à medida em que suas obras vão sendo conhecidas, sai-se da audição com a certeza de ele ter sido um dos maiores compositores europeus de sua época, servindo de ponte privilegiada entre o outonal Barroco e o primaveril Classicismo.
Cerca de 11 anos mais velho que Vivaldi e tendo quase duas décadas a mais que Bach, Antonio Lotti viveu sobretudo em Veneza, onde talvez tenha nascido em torno de 1667. Mas os dois anos que passou fazendo sucesso em Dresden, na atual Alemanha, o tornaram amado por Händel, Telemann, Hasse e pelo próprio Johann Sebastian Bach, que copiou algumas de suas partituras. Aluno de Legrenzi, ele mesmo deixou discípulos de renome tais como Galuppi e Marcello.
Como conhecer o Lotti profano
Antonio Lotti foi um artista de múltiplas facetas. Renovou a velha polifonia puramente vocal da Renascença, deixada por Palestrina, injetando nela uma poderosa tensão harmônica, de extraordinária riqueza.
Homem de seu tempo, o Barroco final, explorou o colorido instrumental e os gestos sonoros impactantes da ópera, empregando-se até mesmo em suas peças sacras. Prenunciador do Classicismo que ainda estava para nascer, expressou-se através de uma linguagem clara e elegante.
No momento, nenhuma de suas quase trinta óperas está disponível em gravação.
Para conhecer o Lotti profano é possível recorrer à antologia do grupo inglês II Complesso Barroco, 'La Vita Caduca' (etiqueta Virgin-Veritas 5 45221 2). A menção do título de algumas dessas canções polifônica talvez dê uma idéia do seu conteúdo: 'Inconstância Feminina', 'Funeral da Esperança', 'Distância Insuportável'.
Tanto a fisionomia compungida quanto o rosto extrovertido da música sacra de Antonio Lotti estão melhor representados em CDs. Ambos constam de uma gravação feita há pouco na Hungria (CD da Hungaraton Classic HCD 32042), com solistas, coro e orquestra regidos por Ferenc Rózsa. Aí, uma etérea Missa "a capella" (sem acompanhamento instrumental) aparece ao lado de obras vocais-instrumentais suntuosas e espetaculares - um 'Kyrie em Si maior' e um 'Glória em Ré maior'. Nelas, a felicidade da invenção melódica e os intrincados mas transparentes jogos à base de múltiplos temas levam-nos a pensar como muitos contemporâneos do artista, o de ele ter sido um verdadeiro gênio.
Fonte: Jornal da Tarde - 25 de abril de 2003
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