Piotr Ilitch Tchaikowsky (1840-1893), a maior glória musical russa, foi um homem patológico e profundamente infeliz pois, é sabido, era homossexual. Parece que se envolveu dessa forma quando estudava jurisprudência em Moscou. Introvertido desde jovem, seu maior e mais profundo amor foi sem dúvida pela mãe Alexandra Andreievna. Nutria por ela um sentimento que ia além do mero afeto filial, assumindo traços de paixão doentia, e sua perda, quando contava 14 anos de idade, lançou-o numa depressão sem limites: Sentia-se mais que órfão , como alguém que perdera tudo.
Terminado o curso de direito, empregou-se numa repartição pública, mas a papelada com que tinha que lidar o entediava e o pior eram os comentários maliciosos de seus colegas quanto a sua ligação com seu sobrinho Bob Davidov. Esses comentários tinham fundamento, pois Tchaikowsky e Bob tinham uma ligação muito estreita, envolvidos por um afeto mórbido e a vida em comum exercendo sobre ambos, uma pressão torturante que, muitos anos após a morte do compositor, levaria Davidov ao suicídio.
Tchaikowsky considerava-se um marginal, vítima inocente de uma tara trágica e odiosa e a efeminação de seu irmão Modeste, reforçava sua crença de que um destino malévolo estigmatizara sua família. Sentia-se por isso, frustrado, ambíguo e profundamente infeliz e para fugir da realidade, dedicava-se intensamente à vida social freqüentando bailes, recepções e festas. Naturalmente não passava despercebido do sexo feminino e várias mulheres se interessaram por ele.
Casamento, uma solução desastrosa!
Em 1868, o compositor esteve em São Petersburgo onde um grupo de idealistas pretendia implantar o nacionalismo na música, mas que lhe pareceu radical demais em seus princípios de apego a temas do folclore russo e rejeição de influências estrangeiras: Era o poderoso "Grupo dos Cinco ",( Balakirev, Borodine, César Cui, Rimsky-Korsakov e Mussorgsky), que seguia as idéias lançadas por Mickail Ivanovitch Glinka e Dargomijky. Nessa ocasião manifestou certo interesse pela célebre cantora Desirée Artot que lhe pareceu ostensiva demais na manifestação de seus sentimentos amorosos. A insistência de conquistá-lo foi tamanha que Tchaikowsky se retraiu timidamente numa atitude formal e distante. Para Tchaikowsky os encantos de uma mulher bonita mais pareciam assustá-lo do que atraí-lo.
Passaram-se os anos e a sociedade já duvidava abertamente da masculinidade do compositor que , atordoado, não sabia o que fazer para enfrentar a rejeição social e o falatório ferino. Sentia-se acuado e tão perplexo que lhe pareceu que o casamento seria a solução para o caos que era sua vida. A escolhida foi Antonina Ivanovna Milyukova, mulher jovem e bonita, porém, que nada tinha em comum com o compositor: era pouco inteligente, ignorante e, para completar, possuía uma sensualidade pronunciada, decorrente de distúrbios psíquicos.
O casamento ocorreu a 30 de julho de 1877, mas três dias depois, Tchaikowsky escrevia a seu irmão que a esposa o enojava.. E logo em seguida, enlouquecido, fugia de casa entrando até o pescoço nas águas geladas do rio Moscou :pretendia assim, suicidar-se ao adquirir uma pneumonia !
Essa fase passou e os médicos o desaconselharam a voltar à companhia da esposa. Antonina Ivanovna opunha-se frontalmente a isso, de modo que seu irmão Anatole Tchaikowsky levou o compositor, cuja saúde era precaríssima,a uma viagem para o estrangeiro. Foram para Florença onde adquiriu a calma que necessitava e escreveu então o seu "Concerto para Violino e Orquestra em Re Maior", um obra de técnica extremamente complexa.
A Mecenas Madame Von Meck
Em 1877, antes da tentativa casamenteira de Tchaikowsky, entretanto, soubera que sua "Abertura-Fantasia para Orquestra Romeu e Julieta" havia sido vaiada em Viena e provocara apupos em Paris, o que o deixou revoltado e desesperado. Todos seus sucessos anteriores lhe pareceram sem valor, mas prosseguia compondo e lecionando com grande sacrifício.
Uma carta veio tirá-lo da morbidez, escrita pela rica e aristocrática viúva Nadezhda Filaretovna von Meck, apaixonada pela música ,herdeira de enorme fortuna, que lhe declarava sua fervorosa admiração por Tchaikowsky e lhe oferecia ajuda para que ele pudesse criar música sem preocupações materiais. Embora ambos morassem em Moscou, segundo um acordo, jamais deveriam encontrar-se pessoalmente... Quando Madame von Meck viajava, Tchaikowsky visitava seu palacete, tocava nos pianos existentes nos salões, depois escrevia-lhe cartas (às vezes, 4 por dia), e alongando-se em confidências. Madame von Meck respondia-lhe por escrito, enviando-lhe anualmente a vultosa importância de 8.000 rublos. O incentivo de Nadedja reavivou o entusiasmo do compositor e parece que se viram pessoalmente apenas uma vez, e à distância.
Entretanto na sua "Sinfonia No. 4" dessa época, escreveu ""Dedicada a um amigo "... Em 1890, após 14 anos de amizade, sua amiga e confidente Nadedja von Meck enviou-lhe uma carta seca onde lhe informava que não mais lhe escreveria, que estava indo à falência e que não mais o ajudaria financeiramente. Um rapaz francês, Claude Achile Debussy, dava aulas para suas filhas e era agora seu novo protegido ! Não se sabe como Tchaikowsky reagiu a essa carta, mas logo em seguida seguiu para os Estados Unidos onde regeu o concerto de inauguração do Carneguie Hall de Nova York. Era sua forma de deixar para traz o sofrimento e de se recuperar da mágoa e buscar ânimo.
Tchaikowsky faleceu a 6 de novembro de 1893, provavelmente por envenenamento arsenical e, em delírio, repetia continuamente o nome de Madame von Meck ora em tom de desprezo, ora de indignação. Junto a sua cabeceira entretanto, estava o sobrinho Bob Davidov o seu companheiro de toda a vida...
Que era MM Von Meck?
Como uma mulher com quem Tchaikowsky jamais se encontrou pessoalmente, pôde exercer tamanho poder na vida emocional do compositor ?
Madame von Meck foi uma violinista amadora com uma grande paixão pela música que se casara, aos 17 anos, com um engenheiro que, durante a fase de aparecimento das estradas de ferro nos anos 1860, adquirira grande fortuna. Madame von Meck herdou essa fortuna após a morte do marido em 1876. Ela fora infeliz em seu casamento , apesar da rápida sucessão de 11 filhos, sendo o 12o. resultado de um “ affair ”com um colega de seu marido. Com uma grande família a seu redor, Mme von Meck procurou uma amizade e assim foi ela própria que iniciou o relacionamento com Tchaikowsky estabelecendo o nível dessa relação.
Alguns biógrafos tem sugerido que a sua solidão e a procura de um novo companheiro fizeram-na almejar uma paixão, mas que fosse de um confidente distante. É Mais fácil acreditar que ela se Apaixonou pela visão idealizada quer fez da música de Tchaikowsky, antes de conhece-lo devidamente. Escreveu: “Não posso separar o músico do homem e a ele, o servo de tal elevada arte...Eu desejo e espero encontrar nele essas qualidades humanas que procuro...” Tão grande era a admiração que ela queria uma participação ativa na vida pessoal e criativa do compositor. Ao financia-lo poderia fazer com que dedicasse todo seu tempo à composição musical: “Eu desejo a você o melhor de tudo...para mim você deverá ser exatamente aquilo para o que foi criado...”Oito mil rublos por ano ! Foi essa fabulosa quantia que Mme von Meck passou a subscrever a Tchaikowsky, mais que suficiente para dedicar-se livremente à sua arte e ainda poder alugar uma bela “dascha”nos arredores de Moscou. Mas o compositor gastava tudo com seus amigos, familiares e viagens de modo que vivia continuamente endividado.
Mme von Meck foi também sua melhor amiga, como mostra a correspondência entre ambos: Tchaikowsky confidenciou a ela amais coisas que a qualquer outra pessoa. Para ambos, as cartas constituíam-se num suporte crucial através do qual desenvolveram um respeito mútuo e profundo. Sua amizade logo formalizou a idéia de jamais se encontrarem pessoalmente, pois como dizia Tchaikowsky, o pensamento de que o outro poderia ser apenas um “mortal ordinário”, o apavorava.
Debussy e o fim do relacionamento
Em outubro de 1890, von Meck reclamou estar à beira da falência e informou ao compositor que a contribuição financeira deveria cessar. Nessa época Tchaikowsky já era auto-suficiente mas escreveu-lhe que agora dependia mais de sua amizade que do dinheiro. Nunca recebeu resposta. Pior ainda foi quando soube que sua benfeitora não estava falida e que simples e brutalmente havia cortado as relações com ele. Porque o auxílio financeiro e amizade terminaram , é um mistério. Houve quem sugerisse que von Meck procedeu assim quando soube da homossexualidade do compositor, mas isso seguramente ela já sabia hà muito.
Talvez os familiares de von Meck temessem que o compositor pudesse herdar parte dos bens de sua benfeitora, ou ainda a influência de outros músicos que ela patrocinava, a tenham convencido que Tchaikowsky não faria jus a sua atenção.
Outros acreditam que não tenha recebido a última carta de Tchaikowsky que, por sua vez, referia-se a ela como uma mulher caprichosa e que a sua amizade tinha sido uma piada boba.
O que sabe na verdade, e o que arrasou o compositor, foi o fato de que Mme von Meck arranjara um novo protegido e desviara suas atenções para um jovem e promissor músico que passara a lecionar para suas filhas e que era nada mais nada menos que Claude Achile Debussy!
Nenhum comentário:
Postar um comentário