(Atenção: Você pode ler este post ao som de “Like a Rolling Stone”. Clique aqui e ouça a canção na Rádio UOL)
Desconheço outro músico contemporâneo que tenha merecido tantos livros quanto Bob Dylan. Obra, carreira e vida de Robert Zimmerman já foram objeto de um sem número de estudos acadêmicos, ensaios, biografias (sérias e sensacionalistas), fotobiografias, songbooks, para não falar dos vários documentários, filmes de ficção e programas de tevê dedicados a refletir sobre diferentes aspectos de sua trajetória.
O próprio Dylan é também autor de alguns livros – obras de ficção, infantis e memórias – que são lidos e estudados com afinco por quem se interessa em decifrar o seu mundo.
Nenhum estudioso, porém, chegou ao nível de detalhe que Greil Marcus. Publicado originalmente em 2005, chega agora ao Brasil “Like a Rolling Stone – Bob Dylan na encruzilhada” (Companhia das Letras, 252 págs., R$ 34), na qual o crítico se debruça basicamente sobre a canção que dá título ao livro.
Gravada nos dias 15 e 16 de junho de 1965, “Like a Rolling Stone” é um marco na carreira de Dylan por vários motivos. Tornou-se símbolo da virada ocorrida pouco antes, quando o músico trocou o violão e a canção de protesto pela guitarra elétrica. E ajudou uma geração de americanos a vislumbrar, nas palavras de Marcus, “um país não desbravado”, e a enxergar caminhos alternativos ao universo conservador da época.
“Foi uma espécie de epifania comum, a reunião de um inconsciente coletivo”, escreve Marcus, que tinha 21 anos quando a música entrou para o hit parade, em julho de 1965. “A canção derretia a máscara do que estava começando a ser chamado de cultura jovem, e ainda mais completamente a máscara de cultura moderna enquanto tal”.
Entre as muitas curiosidades contadas no livro, chama a atenção a dificuldade inicial que “Like a Rolling Stone” teve para tocar nas rádios. Sua duração – seis minutos – era (e ainda é) absolutamente incompatível com a programação da maioria das emissoras de rádio. A gravadora, então, enviou a música dividida em duas partes, de três minutos cada, oferecendo a possibilidade de apenas metade ser tocada.
Um executivo da gravadora Columbia, ao ouvir a música, mandou regravar a voz de Bob Dylan. “É incompreensível”, teria dito. O produtor, obviamente, não atendeu a recomendação.
No ano seguinte, em turnê pelos Estados Unidos e Inglaterra, Dylan enfrentou vaias em todos os shows que fez, em protesto contra a sua nova fase, mais rock´n´roll. Num episódio que se tornou lendário, num show em Manchester, enquanto cantava “Like a Rolling Stone”, alguém na plateia gritou “Judas”. O momento está registrado no CD duplo “Live 1966: The "Royal Albert Hall" Concert”, lançado em 1998
Com coragem e liberdade, Marcus analisa a canção de Bob Dylan sob diferentes aspectos, numa sucessão de imagens e num ritmo vertiginoso, que mostram a possibilidade de entrelaçar rigor e paixão num objeto de estudo. Por conta do estilo (abusa de frases longas), às vezes, é difícil acompanhar o seu raciocínio, mas de um modo geral o livro flui muito bem.
O crítico, além disso, busca fios da canção que o obceca em outros trabalhos de Dylan, especialmente em “Tangled Up in Blue”, do genial “Blood on the Tracks”, de 1975, e em “Highlands”, do disco “Time out of Mind”, de 1997. Marcus fala muito, também, de “Highway 61 Revisited” e “Desolation Row”, ambas lançadas no mesmo LP que “Like a Rolling Stone”, e ainda de “Mr. Tambourine Man”, do álbum anterior de Dylan.
Todas estas canções – e algumas outras - podem ser ouvidas numa seleção preparada pela Rádio UOL.
Mesmo quem não é tiete reconhece que poucos músicos pop criaram um universo tão rico e complexo, ao longo de tanto tempo (está na estrada desde 1961), quanto Bob Dylan. “Like a Rolling Stone” – a música – é um dos melhores exemplos disso. E o livro, leitura obrigatório para seus fãs.
No site da editora é possível consultar a letra da música e uma versão em português, traduzida por Eduardo Bueno. Clique aqui para ir à página da editora ou aqui para ir direto ao arquivo (pdf).
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