Páginas

quarta-feira, 19 de maio de 2010

A top model de vinil

A boneca Barbie representou as aspirações das meninas nos últimos 50 anos. Mas a queda nas vendas e a popularidade das novas concorrentes marcam hoje uma mudança de comportamento

Por IVAN PADILLA
Pierre Vauthey

Se fosse de carne e osso, com as mesmas proporções, a boneca Barbie seria uma mulher magra, muito magra. Com 1m68 de altura, teria 73,6 centímetros de quadril, 50,8 de cintura e 68,5 de busto. Para efeito de comparação, a cantora britânica Victoria Beckham, célebre pelas medidas anoréxicas, tem a mesma altura, porém com oito centímetros a mais de cintura. Pesquisadores da Universidade do Sul da Austrália apontam que a chance de alguém exibir essas diminutas curvas é de uma em 100 mil. Outro estudo, do Hospital Central da Universidade de Helsinque, na Finlândia, revela que uma mulher com esse corpo não chegaria a ter 17% de gordura corporal, taxa mínima para menstruar regularmente.

Nas lojas de brinquedo, a Barbie de vinil, com 29 centímetros de altura e 8,9 de cintura, já chegou a exibir alguns milímetros a mais de busto e outros a menos no quadril. As alterações foram feitas devido às críticas ao padrão irreal de beleza propagada – mas foram em vão. A boneca nasceu em 1959, época em que a mulher começava a se emancipar. Apenas quatro anos depois, Betty Friedan publicaria Mística Feminina, um marco do feminismo. Para sua época, a Barbie foi uma revolucionária. Nasceu linda, esbelta, emancipada, sem filhos, com tempo para investir na carreira, mas não para cuidar da casa – em resumo, o oposto do estereótipo da dona de casa americana do pós-guerra.

A Barbie foi a primeira boneca a ter feições de mulher e usar maquiagem. Nesses 50 anos, representou as aspirações femininas. Foi astronauta antes da chegada do homem à Lua, cirurgiã quando poucas mulheres ainda manuseavam o bisturi e candidata a presidente dos Estados Unidos – esta, uma conquista ainda inédita. Andou de Ferrari, desfilou com vestidos de estilistas como Versace e, recentemente, ganhou botas feitas pelo famoso designer de sapatos Christian Louboutin. De tão independente, chegou a se separar. No enredo criado pela fabricante Mattel, Barbie e Ken se conheceram em um set de filmagem e começaram a namorar em 1961. Como ele relutava em se casar e ela tinha cada vez mais compromissos, romperam em 2004. Hoje, são bons amigos.

A CADA 3 SEGUNDOS 1 BARBIE É VENDIDA NO MUNDO.
MAS EM 2008 O LUCRO DA MATTEL CAIU 37%


A Barbie foi também a primeira top model. A musa do final dos anos 50 era a curvilínea Marilyn Monroe. Nos anos seguintes, a magreza e a altura se consagrariam como atributos de beleza – e tudo indica que esses padrões estejam novamente em discussão. Muitas meninas ainda sonham ser Gisele Bündchen, mas há também quem prefira ser Juliana Paes ou Scarlett Johansson, mais cheias de corpo. Está em curso um movimento de libertação da imagem feminina. Em Madri, foi proibida a participação de modelos muito magras em desfiles. Recentemente, a revista americana Glamour lançou um catálogo com modelos com abundantes gordurinhas na cintura. Um anúncio da Ralph Lauren, em que o excesso de retoques deixou a cintura da modelo mais estreita que sua cabeça, provocou protestos pela internet.

Nesses tempos de luta das mulheres contra a ditadura da beleza, a Barbie perde popularidade, embora mantenha ainda a fama de ser a boneca mais adorada do mundo. De acordo com a Mattel, no mundo inteiro, uma unidade sai das lojas de brinquedos para as mãos das meninas a cada três segundos. Nos últimos anos, no entanto, as vendas estagnaram ou estão em declínio. Em 2008, o saldo foi negativo, de 9% em relação ao ano anterior. No terceiro trimestre de 2009, a queda foi de 8%. Nesse mesmo período, a receita da empresa caiu 8%, e o lucro líquido ficou 3,5% menor. A Barbie responde por um quinto da receita anual da Mattel, de US$ 6,5 bilhões. Por isso, quando suas vendas caem, o balanço da empresa sente. Em 2008, o lucro de US$ 379,6 milhões da companhia foi 37% menor.

Outro termômetro da perda de apelo da Barbie é o ranking das 100 marcas mais valiosas do mundo elaborado anualmente pela consultoria americana Interbrand. Em 2001, a boneca estava na 84ª colocação, avaliada em US$ 2,037 bilhões. Em 2003, caiu para a 97ª posição, com valor de US$ 1,873 bilhão. A partir de então, saiu da lista.

 Divulgação
  Divulgação
MUNDO COR-DE-ROSA
A Casa da Barbie, construída em tamanho real na praia de Malibu, na Califórnia, marca as comemorações de 50 anos da boneca; o closet abriga coleção de 50 pares de sapatos
RIVAIS MAIS ENCORPADAS

Enquanto isso, suas concorrentes ganham mercado. As bonecas Bratz, produzidas pela americana MGA, foram lançadas em junho de 2001. São quatro amigas com cara de adolescentes travessas, lábios carnudos e grandes olhos amendoados pintados com sombra. A sexualidade sugerida por suas roupas curtas e seu efeito sobre as meninas chegaram a causar preocupação na Associação Americana de Psicologia. Nos primeiros cinco anos, estima-se, foram vendidas 125 milhões de Bratz no mundo. Em 2005, as vendas atingiram US$ 750 milhões, segundo a consultoria BMO Capital Markets. Em 2006, o mercado das chamadas fashion dolls, as bonecas ligadas à moda, praticamente se dividiu: as Bratz ficaram com 40%, e a Barbie manteve seus 60%.

Mesmo com todo esse sucesso, as Bratz correm o risco de desaparecer. A MGA foi acionada pela Mattel em 2004. A alegação: o designer americano Carter Bryant era funcionário da fabricante da Barbie quando projetou as Bratz. O processo se arrastou até 2008, quando a corte americana deu ganho de causa para a Mattel. A MGA foi condenada a pagar US$ 100 milhões à concorrente e interromper as vendas da boneca. O prazo final foi o Natal de 2009. Foi um golpe duro. Somente no ano passado, as Bratz e seus acessórios renderam US$ 500 milhões à empresa, o equivalente à metade de seu faturamento. Os direitos da boneca passaram para a Mattel, mas a empresa ainda não decidiu se elas serão mantidas nas lojas.

A MGA se refez do baque e rapidamente contra-atacou. Em julho, lançou as Moxie Girlz, um meio-termo entre a Barbie e as Bratz. Elas são sensuais sem ser sexy, usam roupas muito coloridas mas não tão justas e já nasceram multiétnicas – a Barbie, originalmente loira de olhos azuis, ganhou uma versão negra somente aos 21 anos de idade, em 1980. Elas não andam em carros esportivos beberrões de gasolina, mas em modelos elétricos mais sustentáveis. Seu slogan é “Be true! Be you!” (Seja verdadeira! Seja você!).

NA REDE DE LOJAS RI HAPPY, A BARBIE RESPONDE POR 91% DAS VENDAS DE BONECAS


As Moxie Girlz foram as bonecas mais vendidas do terceiro trimestre de 2009, segundo a empresa americana de pesquisas NPD. Elas apareceram na famosa lista dos 20 presentes mais legais para o Natal do guia Toy Insider, publicado pela revista Redbook, uma referência no setor de brinquedos. A expectativa era que suas vendas gerassem, nesses cinco meses de 2009, cerca de US$ 40 milhões apenas nos Estados Unidos, número considerado alto para uma estreia. “O que é fantástico na indústria de brinquedos é que há lugar para qualquer produto, de qualquer empresa”, afirmou Isaac Larian, CEO da MGA, a Época NEGÓCIOS. “A melhor ideia sempre vencerá. As vendas iniciais mostram que as Moxie Girlz já são uma força considerável no mercado das fashion dolls.”

Outro quarteto de bonecas, as Liv, também ameaça o reinado da Barbie. Lançadas em julho, as Liv foram posicionadas pela fabricante canadense Spin Master como as “anti-Bratz”. Representam adolescentes bonitas, porém menos provocativas, usam roupas despojadas adequadas aos tempos de recessão e andam de scooter. A empresa quis reproduzir as feições de um rosto de verdade. Para desenhar os lábios foram utilizadas fotos da namorada de um dos sócios como referência. As Liv também entraram bem no mercado. As projeções de vendas até o final do ano eram de US$ 30 milhões.

Num primeiro momento, as Liv não serão vendidas no Brasil. Já as Moxie Girlz poderão ser encontradas em breve por aqui. A representante será a Estrela. Diz Aires Leal Fernandes, diretor de marketing da Estrela: “As Bratz foram as primeiras fashion dolls a ter mais atitude, a demonstrar ousadia. Em sociedades mais conservadoras, como o Brasil, não fizeram tanto sucesso. Mas comeram um bom pedaço do mercado da Barbie e mostraram um caminho. As Moxie Girlz são mais dóceis que as Bratz. Tenho certeza de que cairão muito bem entre as mães e as filhas brasileiras”.

 Divulgação
  Divulgação
O FUTURO DA MARCA
A primeira flagship store, ou loja de referência, da Barbie (na foto acima) foi inaugurada no ano passado em Xangai, na China. Com a queda nas vendas da boneca nos Estados Unidos, a Mattel aposta nos mercados emergentes
SUCESSO NO BRASIL

A Estrela fez história ao lançar a primeira grande rival da Barbie no Brasil. A Susi chegou ao mercado em 1966. O conceito é o mesmo: uma fashion doll com cara de adulta, que acompanha a moda e o comportamento. A mesma Estrela começou a importar a Barbie em 1982. As duas bonecas conviveram até 1985, quando a Susi foi retirada de circulação por pressão da Mattel. Quando a companhia americana abriu uma representação no Brasil, em 1997, a Susi foi relançada. A boneca brasileira foi líder de mercado até 2002, quando perdeu o posto para a americana. Na Ri Happy, a maior rede de brinquedos da América Latina, com 94 lojas em todo o Brasil, a Barbie responde por impressionantes 91% das vendas de bonecas, enquanto a Susi tem apenas 3,5%, em dados de janeiro a novembro de 2009.

Se no mundo a Barbie perde território, no Brasil reina absoluta. Por que isso acontece? Em parte, devido a um investimento agressivo da Mattel em produtos e em marketing. Há uma preocupação em refletir o mundo real da moda – um planeta, digamos, bastante volátil. A cada ano, cerca de 98% de todo o portfólio é trocado. Isso inclui de escovas e bolsas a geladeiras e carros. As novidades são divulgadas em ações como a Casa da Barbie, um caminhão itinerante que percorreu 50 municípios, em comemoração aos seus 50 anos. No interior do veículo, as crianças foram saudadas pela Barbie em um telão e encontraram réplicas dos móveis da casinha da boneca.

A CADA ANO, 98% DOS ACESSÓRIOS, DA ESCOVA AOS MÓVEIS DA CASA, SÃO RENOVADOS


“Nossa forte presença no mercado brasileiro é uma questão de investimento, de inovação. É dinheiro por trás”, afirma Isabel Patrão, gerente de marketing da linha de brinquedos para meninas da Mattel. “Fazemos pesquisas no mundo inteiro, falamos com crianças de todos os continentes. Agradar a essa meninada de hoje, com acesso a tanta informação, é tarefa árdua. Elas sabem o que querem e têm mais voz ativa em casa.” Todo esse esforço, no entanto, não surtiria efeito se a Barbie não representasse, ainda hoje, as aspirações das meninas brasileiras. “Nós, mulheres, conquistamos independência, mudamos muito e abrimos possibilidades para outros modelos femininos. Mas o ideal de prestígio para as meninas ainda é a loira de olhos azuis bem-sucedida profissionalmente”, afirma a antropóloga Mirian Goldenberg.

A Barbie nasceu sexy, mas hoje sua beleza parece inocente perto das concorrentes. Em sociedades mais conservadoras, é um trunfo. “Em questão de educação, o Brasil ainda é muito retrógrado. Enquanto os meninos podem tudo, as meninas brincam de casinha. A Barbie reproduz esse mundo. Ela é linda sem ser exageradamente sexy. É emancipada e extremamente feminina ao mesmo tempo. As mulheres mudaram muito nos últimos anos, mas as meninas continuam cor-de-rosa”, diz Mirian. E como estará a Barbie daqui a 50 anos, quando completar o centenário? Continuará rainha ou viverá apenas em lembranças? O comportamento das pré-adolescentes do futuro vai ditar os rumos da boneca mais famosa de todos os tempos.

  Divulgação

Nenhum comentário: