“A surpresa, outro dia, no programa de César de Alencar (na Rádio Nacional) foi Nora Ney cantando em inglês uma melodia que estava sendo lançada num filme”, dizia a Revista do Rádio, em sua edição de novembro de 1955. A tal “melodia” era o 78rpm com ‘Rock Around The Clock’, gravado às pressas no final de outubro, em cima da versão original de Bill Haley & His Comets, trilha sonora do filme ‘Sementes de Violência’. Lançada pela gravadora Continental, em uma semana a música já ocupava o primeiro lugar das paradas de sucesso, reproduzindo o que estava ocorrendo com o filme. Assim, nascia o primeiro rock gravado no Brasil, pela voz de Nora Ney, cantora de samba e samba-canção de grande sucesso na época. Então com 33 anos, Nora Ney cumpria o papel de preencher o espaço ainda não ocupado por artistas jovens, que só foram entrar em cena em 1958, com a primeira gravação dos irmãos paulistanos Tony e Celly Campello – “Forgive Me”/”Handsome Boy”. A escolha de Nora Ney para interpretar “Rock Around The Clock”, além de suas qualidades vocais, foi o fato dela ter familiaridade com a língua inglesa, ou seja, uma boa dicção. Com a música “Ciuminho” no “lado b”, este foi o único registro de rock da cantora que, em 1961, ironicamente gravou “Cansei de Rock”, encerrando sua aventura passageira pelo nascente gênero musical. Em dezembro do mesmo ano de 1955, tentando correr atrás do prejuízo, a gravadora Odeon lançou uma versão em português de “Rock Around The Clock”, de autoria de Júlio Nagib, que virou ‘Ronda das Horas’, interpretada pela cantora Heleninha Silveira. A Columbia, da mesma forma, apostou na música e produziu outra versão com o acordeonista Frontera, também lançada em novembro. As duas gravações, no entanto, não tiveram repercussão porque a juventude queria ouvir a versão mais próxima do original que tinha escutado no cinema. Em 1957, uma versão instrumental com o pianista Waldir Calmon, incluída em seu disco “Chá Dançante #3”, faria grande sucesso junto ao público adulto. Nos anos setenta, o próprio Bill Haley, em mais uma de suas turnês pelo Brasil – a primeira foi em abril de 1958 - regravou a música com arranjo misturando samba e rock and roll, acompanhado do conjunto paulista Lee Jackson. A maioria dos registros, exceto as gravações de Heleninha Silveira e Frontera, já ganharam versões em formato digital. O estouro de “Rock Around The Clock” que detonou o surgimento do rock and roll no país aconteceu, como em todo o mundo, por meio do filme “Sementes de Violência” (“Blackboard Jungle” no original). Incluída na trilha da fita, a música tocava apenas na abertura, durante a apresentação dos créditos, mas o suficiente para agitar os jovens espectadores e produzir grandes confusões nas salas de cinema. Estreando em São Paulo e Rio de Janeiro em outubro de 1955, um mês após a morte de James Dean, o maior ídolo da época, o filme trazia para as telas os conflitos de uma juventude que buscava ocupar seu espaço na sociedade. “ Um dia, em 1956, matei a aula e entrei no cinema Excelsior, na praça da Sé, em Salvador. Começou um filme, que eu não sei qual é o nome, no qual Bill Haley abria cantando ‘Rock Around the Clock’. Nossa! Eu chorei naquela cadeira, estremeci, era uma coisa igual à ‘Fonte da Nação’ que eu vi em Irará, quando era criança”, disse Tom Zé em entrevista ao jornal República. “Aquele espetáculo das pessoas todas lavando roupas ali embaixo. Um gramado extenso do lado direito, onde todas as roupas da cidade estavam estendidas, todas aquelas cores. Os aguadeiros iam lá pegar água. Era água de beber e cozinhar. E as lavadeiras da cidade lavavam roupa ali embaixo. Quando eu vi essa loucura, fiquei ali alumbrado. Aquela luminosidade do Nordeste, que deixa tudo ser visto com grande clareza. E aquilo tinha som: "Meu divino São José...”. Aquelas mulheres com aquela voz muito aguda: “A mulher do cego morreu...”. E os homens todos cantando junto, aquelas vozes muito fanhosas... A primeira vez que ouvi ‘ Rock around the Clock’ pode se comparar a isso. Essas inaugurações...”. A surpresa e o espanto da juventude diante do filme “Sementes de Violência” transformou- se, menos de um ano depois, em explosão incontrolável frente a outro filme, o também clássico “Ao Balanço das Horas” (“Rock Around The Clock”, no original). Basicamente um filme musical, a fita batizada com o nome do mega-hit de Haley, trazia o próprio cantor e outros intérpretes e personagens de sucesso, como The Platters, Freddie Bell e o DJ Allan Freed, a quem se credita ter cunhado a expressão “rock and roll”. O filme, na verdade, faturava o sucesso comercial da música e de Bill Haley e amplificava ainda mais a sua explosão inicial. A situação de “descontrole” da juventude não agradou às autoridades que, em muitos casos, pediram a proibição do filme - entre elas, o governador de São Paulo, Jânio Quadros, segundo registra o livro “Rock Brasileiro, 1955/1965 – Trajetórias, personagens e discografia”, de Albert Pavão, também um dos pioneiros do rock and roll no país. Em seus famosos bilhetinhos, Jânio ordenou ao Secretário de Segurança que "determinasse à polícia deter, sumariamente, colocando em carro de preso, os que promoverem cenas semelhantes; e, se forem menores, entregá-los ao honrado juiz". Na seqüência, o Juiz de Menores, Aldo de Assis Dias, baixou uma portaria proibindo o filme para menores de 18 anos, argumentando (com uma irônica precisão) que "o novo ritmo é excitante, frenético, alucinante e mesmo provocante, de estranha sensação e de trejeitos exageradamente imorais". Apesar de provocar tamanha confusão, o destino da música “Rock Around The Clock”, no entanto, era para ser outro, bem diferente. Gravada por Bill Haley & His Comets em 12 de abril de 1954 e lançada no mesmo ano, o “single” foi inicialmente um fracasso comercial, vendendo somente cerca de 75 mil cópias nos Estados Unidos. Com menos repercussão do que os “singles” anteriores de Haley como “Crazy, Man, Crazy”, a música parecia destinada a encerrar a busca da fórmula que tornasse o rhythm’n’blues negro acessível à classe média branca americana (encontrada, no mesmo ano, de forma definitiva por Elvis Presley em “That’s Allright”). Apenas um ano depois de seu lançamento, com a inclusão na trilha sonora do filme ‘Blackboard Jungle’, é que a música explodiu em vendas não apenas nos Estados Unidos, mas em todo o mundo. A gravação de Haley era, na verdade, um “cover” de original registrado um pouco antes pelo cantor ítalo-americano Sonny Dae & His Knights - em 20 de março de 1954, pelo selo Arcade. Escrita por Max C. Freedman, um novaiorquino, então com 63 anos, a música também não nasceu como um tema de rock and roll. Ainda mais interessante, é que foi lançada como um discreto “lado b” de “Thirteen Woman”, um tema pós-guerra, a verdadeira aposta da gravadora. E mais, inicialmente tinha outro nome: “Dance Around The Clock”, trocado na última hora. A música, no entanto, estava marcada por confluências históricas que, talvez, sejam a principal razão de seu sucesso. Uma espécie de "jump-boogie" no original de Sonny Dae, a versão de Haley para “Rock Around The Clock” produzida por Milt Gabler, então executivo da Decca, tem, pelo menos, três músicas de "referência" em sua construção. Segundo ele, boa parte do sucesso da música devia-se ao fato de ser uma “versão” de um antigo blues chamado “My Daddy Rocks Me (With One Steady Roll)” - gravado originalmente por Trixie Smith, em 1922. Outra música ligada à gênese de “Rock Around The Clock” é o country-boogie “Move It On Over”, de Hank Williams, de 1947, extremamente parecida com o mega-hit de Haley. A terceira influência direta é o tema instrumental “Syncopated Clock”, de Leroy Anderson (1945), da qual “Rock Around The Clock”, seria uma espécie de variação "rock and roll" do mesmo tema. Além dessas curiosidades, “Rock Around The Clock” tem outras situações em sua história que a torna ainda mais emblemática. Uma delas é o fato da música ter sido escrita em 1952 (documento que sela a parceria entre seus autores data de 23 de outubro de 1952), e de já ter sido apresentada a Haley nessa época, por James Myers, do selo Cowboy. A música, no entanto, não entusiasmou o produtor Dave Miller, da Essex Records, então dono do passe de Bill Halley, e responsável pelo “cover” de seu contratado para ‘Rocket 88’, original de Jackie Breston & His All Stars, em 1951 – o que resultou na ida de Haley para a Decca. Ainda, no terreno da confusão em torno da música, existem outros dois registros com o mesmo nome de “Rock Around The Clock” anteriores a gravação de Haley, interpretados por Hal Singer (1950) e por Wally Mercer (1952). A autoria da música também encerra discussões até hoje. Um das versões reafirma a parceria de Max C. Freedman e Jimmy DeKnight (cujo nome verdadeiro era James ‘Jim’ Myers). Segundo o próprio Myers, em entrevistas concedidas à imprensa americana, ele teria "completado" a canção iniciada por Freedman. Outra, sugere que Myers apenas assinou a música, na condição de editor, e também agente de Bill Halley, como era comum ocorrer na época. Passada a explosão inicial de “Rock Around The Clock” na versão original e no cover de Nora Ney, e com Elvis Presley já entronado como o “Rei do Rock”, outras gravações marcaram os primeiros passos do rock and roll no Brasil. ‘Rock and Roll em Copacabana’, de autoria de Miguel Gustavo, posteriormente conhecido pelo “hino” da Copa do Mundo de 1970, ‘Pra Frente Brasil’, inaugurou o novo gênero musical com letra em língua pátria. Lançada em 1957, pela gravadora RCA Victor, a música foi cantada por Cauby Peixoto, então o cantor mais popular do país, e recém chegado dos Estados Unidos, onde tentava a carreira com os nomes de Ron Coby e Coby Dijon. Sem alcançar grande sucesso na época, a letra de Miguel Gustavo descreve a entrada do rock na cena carioca e no Brasil com uma incendiária levada de rhythm’n’blues. "Revira o corpo, estica o braço, encolhe a perna e joga para o ar ... Eu quero ver qual é o primeiro que essa dança vai alucinar ... E continua a garotada na calçada a se desabafar ... Eu vou cantando, até agora não parei nem para respirar", diz um trecho da letra. Além de “Rock and Roll em Copacabana, Cauby Peixoto ainda gravou ‘”Enrolando o Rock” (1957) e “Mack the Knife” (1960). Já o primeiro rock com guitarra surgiu com Betinho, nascido Alberto Borges de Barros, e filho de Josué de Barros, descobridor de Carmem Miranda. A música também lançada no início de 1957, trazia Betinho tocando uma Fender Stratocaster, em substituição a Gibson que utilizara na gravação do fox ”Neurastênico”, em 1954. “Enrolando o Rock” foi trilha sonora do filme “Absolutamente Certo”, de Anselmo Duarte, com ele, Odete Lara e Dercy Gonçalves, executada “ao vivo” em uma das cenas do enredo. A música integrou o 10’ e o LP “Betinho, Rock & Calypso”, inéditos em CD, com participação dos músicos Renatinho (acordeão), Salinas (piano), Navajas (contrabaixo) , Bolão (sax) e Pirituba e Rafael (baterias). Ainda em 1957, o também cantor popular Agostinho dos Santos emplaca um dos principais sucessos da primeira fase do rock nacional, a versão “Até Logo, Jacaré”. Vertida por Júlio Nagib do original “See You Later, Alligator”, de Bill Haley, a música foi lançada em janeiro, pelo selo Polydor. Em maio do mesmo ano, Carlos Gonzaga grava “Meu Fingimento”, versão de Haroldo Barbosa para “The Great Pretender”, original do conjunto vocal The Platters. Em outubro, a cantora Lana Bitencourt também grava e faz sucesso com “Little Darling” e, no início de 1958, Bolão e Seus Rockettes registram “Short Shorts”, inaugurando a fase instrumental. Nessa mesma época, um grupo de jovens cariocas se reunia em uma esquina do Rio de Janeiro - mais exatamente, no bairro da Tijuca, no cruzamento das ruas Hadock Lobo e Matoso, em frente ao Cine Roxy - para conversar sobre a nova onda. Os jovens eram Erasmo Carlos, Roberto Carlos, Tim Maia, Jorge Ben e Wilson Simonal, entre outros, que viviam o clima do nascente rock and roll, e iniciavam a construção do que, na década seguinte, desembocou na Jovem Guarda e outros caminhos sonoros. O grupo entrou para a história como a “Turma do Matoso”, imortalizada em música de Tim Maia, batizada com o nome das duas ruas. Embalados pela influência de Elvis Presley, especialmente, Roberto Carlos, então com 17 anos, e Tim Maia, mais Arlênio Lívio e Wellington formaram Os Sputniks. Em sua curta duração, além do circuito de bailes, o grupo chegou a se apresentar em programas de rádio e televisão. Depois dos Sputniks, Roberto Carlos, com Carlos Imperial, mais Paulo Silvino e outros músicos formaram Os Terríveis. Ao mesmo tempo, Erasmo Carlos também dava início ao seu conjunto vocal The Snakes, que igualmente acompanhou Roberto Carlos. Nessa época, o futuro “Rei da Jovem Guarda” era apresentado como o “Elvis brasileiro”. Apesar da reação das autoridades, e do ano de 1957 praticamente sem novidades fonográficas, o rock and roll ganhou corpo com o lançamento, em junho de 1958, do 78rpm com as músicas “Forgive Me” e ”Handsome Boy”. Com letra em inglês, mas de autoria do maestro Mário Gennari Filho e de Celeste Novaes, as músicas eram cantadas, respectivamente, pelos irmãos Tony Campello e Celly Campello, vindos do interior de São Paulo. A partir da entrada dos irmãos Campello em cena, a história do rock brasileiro passa a ganhar identidade própria. Nesse ano, surgem os primeiros programas de televisão voltados para o público juvenil, como “Crush em Hi-Fi”, apresentado pelos irmãos Campello. Também despontam os primeiros ídolos “teen”, destacando-se Sérgio Murilo, Demétrius, a própria Celly Campello, e hits históricos, como “Marcianita”, “Banho de Lua” e “Estúpido Cúpido”, entre dezenas de outros. Um pouco depois, em São Paulo, nasce a primeira gravadora nacional de rock and roll, o selo Young, que lança o grupo The Avalons, um dos pioneiros do rock instrumental no país. Passados cinqüenta anos da explosão inicial do rock and roll, Elvis Presley e os Beatles confirmaram- se, sem dúvida, os marcos mais expressivos da história do rock, em todos os tempos. Mas foi Bill Haley com “Rock Around The Clock” quem acendeu o rastilho da explosão musical e comportamental juvenil que se alastrou pelo planeta. “Rock Around The Clock” tornou-se o “single” mais vendido da história do rock, segundo o The Guiness Book Of The World Records. Desde 1953, a música foi gravada por mais de 10 mil artistas e vendeu mais de 200 milhões de cópias.
http://www.senhorf. com.br/jovemguar da/mat1.htm
sábado, 10 de maio de 2008
Um pavio chamado “Rock Around The Clock”
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