Quando estou tocando pela Europa, apesar da correria das viagens e shows quase todos os dias, ainda sobra um tempo pra conhecer lugares fantásticos. Principalmente em dias sem shows ou outros compromissos profissionais, temos o dia livre ou day off, como aconteceu há algumas semanas quando tive a oportunidade de assistir a uma ópera em Praga, na República Tcheca. Desta vez, tive alguns dias livres em Salzburg na Áustria, cidade em que nasceu o maior gênio da música, Wolfgang Amadeus Mozart.
Tudo em Salzburg respira Mozart, a cidade é simplesmente maravilhosa e ainda mantém uma áurea de cidade pequena, provinciana. É engraçado notar que Mozart detestava Salzburg, não gostava de ser manipulado pela política local e achava os músicos da região medíocres, por isso sempre se rebelava, saía da cidade à procura de novas experiências e liberdade para as suas composições. Um rebelde muito à frente da ignorância de seus contemporâneos. Hoje Salzburg é Mozart, a casa onde ele nasceu é um museu e em cada esquina se escuta as famosas melodias de suas óperas, sinfonias e sonatas. Sua música é a alma da cidade.
Há três dias, num dia de passeios pela cidade com alguns membros da nossa equipe, encontramos um bar que só vendia cerveja da Bélgica – para quem conhece cerveja sabe que a Bélgica é o país onde se encontram as melhores do mundo -, com uma seleção espetacular. Os donos do bar eram belgas e fãs de Sepultura, por isso, nos presentearam com uma degustação de cervejas inacreditáveis, inclusive algumas feitas por monges, que ainda usam as mesmas técnicas de 200, 300 anos atrás. A conversa fluía, claro, sobre música: a pesada e a erudita. Mais tarde chegaram dois músicos, amigos dos donos e que estudam música erudita na Universidade Mozarteum. Eram tchecos.
Quando souberam que eu era do Brasil, me disseram que tinha uma excelente violinista brasileira estudando por lá e um deles acabou ligando para ela, que foi nos encontrar no bar. Foi uma grande surpresa quando ela apareceu, porque eu já a conhecia. Tínhamos tocado juntos há cinco anos, quando fiz uma jam com alunos da escola em que estudei em São Bernardo do Campo (SP). Toquei com a banda de um amigo, formada por alunos da escola, que produziu este encontro. Tinha sido a minha primeira volta ao colégio desde que tinha saído, em 1983. Na banda, também como convidada, estava a Bárbara Galante, uma menina de 15 anos que tocava muito bem o violino e já era bem conhecida na escola por seu talento.
Tocamos a música “Kayowas”, do Sepultura, e ela improvisou em cima do tema. Foi uma experiência muito legal tocar no mesmo palco em que fiz as peças de teatro quando era criança. Fiquei muito feliz de ver a Bárbara em Salzburg, estudando numa das melhores universidades do mundo e se destacando como instrumentista. Ela me convidou para conhecer a universidade no dia seguinte e acompanhar um ensaio do quarteto no qual ela era uma das violinistas.
A universidade é incrível, fantástica e muito linda, uma mistura de arquitetura moderna com a rica e magistral história da cidade de Salzburg. As salas de ensaio são perfeitas. Os mestres que lecionam são os melhores que se pode encontrar. Só para dar um exemplo, que está mais relacionado ao meu mundo da guitarra e do violão, passei pela sala de Elliot Fisk, uma dos maoires violonistas da atualidade. Ele toca pelo mundo, fala oito línguas e transcreveu os 24 caprichos de Pagannini para o violão, um monstro que leciona no Mozarteum. Em todos os instrumentos, você encontra os principais “monstros” como professores, uma coisa de outro mundo. Herbert Von Karajan, histórico condutor da Filarmônica de Berlim e que fez, para muitos, as definitivas gravações das sinfonias de Beethoven, também é parte da incrível história da universidade.
Gente de todas as nacionalidades estudam por lá. O quarteto que a Bárbara faz parte é formado por jovens músicos de Cuba, Sérvia e Espanha, todos espetaculares intérpretes. Ver a Bárbara ali, brasileira, tocando um violino fabricado em 1775, um quarteto de Beethoven, com técnica e sentimento incríveis, do mais alto nível, foi emocionante.
Nada realmente é impossível e o brasileiro tem o talento de se expressar em qualquer situação, seja nas artes, no esporte e quem sabe um dia, na política e educação também. Eu sei que no Brasil existem grandes universidades para a o estudo da música e que o país esta recheado de talentos, mas ainda precisamos crescer muito.
O intercâmbio cultural é essencial para o crescimento de qualquer cultura, a evolução que a Bárbara está tendo, junto com outros jovens de todas as partes do mundo, não é somente técnica, mas principalmente uma evolução no relacionamento entre as pessoas, diferentes opiniões e costumes unidos pela música.
Aqui vai uma foto da jam que fiz com a Bárbara em 2005:
Grande abraço,
Andreas Kisser
 
 
 
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