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sexta-feira, 17 de abril de 2009

ASSUMINDO MEU LADO ACADEMICO????? - Por onde andam os clássicos?

Henrique Fortuna Cairus
Professor Adjunto de Língua e Literatura Grega
Diretor Adjunto de Pós-Graduação e Pesquisa da Faculdade de Letras - UFRJ
Universidade do Brasil - UFRJ

Por onde andam os clássicos?

O nome "clássicos" não é algo que passe sem merecer
comentário, eu sei. Já tentei fazer isso, em um texto que publiquei em
[http://www.letras. ufrj.br/pgclassi cas/cvhc. htm], ao qual dei o título
de "O lugar dos clássicos hoje: o super-cânone e seus desdobramentos" ,
e ao qual meus diletos alunos deram o apelido de "Super-cânone" .
Por isso não vou enfadá-la com repetições que mostrem mais
uma vez minha pouca habilidade para lidar com esse tema.
Por outro lado e apesar de minha pouca destreza, acabei por
notar-lhe possíveis adendos e acréscimos que poderiam ser feitos por
quem quer que freqüente as livrarias e os sebos.
A pergunta que me escapou e que tento formular agora é: quem
lê os clássicos?
Quanto a mim, posso até mesmo imaginar e supor, mas não
poderia afirmar com segurança. Faltam-me dados, confesso. E às vezes e
não raro nossas percepções são surpreendidas pelos dados.
Mas cá entramos, leitora indulgente, numa livraria – se me
permite o prazer dessa companhia especial –, no Centro do Rio. Eu
preciso comprar uma Ilíada para dar de prêmio. Pergunto pela Ilíada ao
vendedor, contrariando o meu uso e o estatuto do freqüentador de
livrarias, que considera desairoso não saber onde ficam as estantes e
tem por temeroso deixar escapar um livro deslocado (digamos que
despropositadamente ) nas prateleiras dos sebos.
Considerando, porém, que o mais importante é aproveitar a
sua companhia, querida leitora, rompo provisoriamente com as regras e
dirijo-me ao vendendor.
Era um vendedor, apenas isso. Não era um livreiro e nem um
buquinista, e isso é preciso que fique dito. E tanto melhor para o que
pretendo dizer, porque um livreiro ou um buquinista conhecem tanto
quem compra quanto o que está sendo vendido; mas o vendedor conhece só
o seu público, e o que ele vende é reconhecido por quem compra.
Perfeita situação para que eu me surpreendesse.
"Não trabalhamos com livros paradidáticos, senhor". Não sei
se enunciou o vocativo, mas coloco-o aqui para tentar dar algum ritmo
à frase. Também não importa muito isso, porque o que me veio é que eu
nunca ouvi a Ilíada – a Ilíada, de Homero! – ser chamada de livro
paradidático.
Não deveria, eu sei. Ainda mais acompanhado! Mas não pude
conter a tola indignação: "paradidático? !". Juro, leitora dileta, que
tenho agora vergonha de tê-lo dito. Sei que você me perdoa a boca
ligeira, embora não a aprecie.
O vendedor emendou, acho que com certo fundo de
constrangimento: "chamamos esse tipo de livro de paradidático ou de
universitário, pois é esse o público que o compra".
Era um vendedor, já está dito, e não repito. E não lhe
interessa o que seja uma Ilíada ou uma Odisséia ou uma Eneida, e nem
mesmo Os Lusíadas lhe interessa o que possa significar. A coisa e quem
a compra: eis o que vale. E melhor assim.
Foi dessa forma que percebi, na realidade daquele homem que
precisa vender livros para comer e para viver, que os clássicos –
permita-me chamá-los assim – são hoje livros que fazem parte das
listas de início de ano ou de semestre letivo. Livros para serem
comprados e talvez revendidos a sebos que os fornecerão a
universitários quiçá mais promissores, por terem mais disponibilidade
de procurar por livros e, assim, mais chances de aprender com as
prateleiras invariavelmente mal arrumadas dos sebos.
Por isso, cheguei em casa e imediatamente abri a minha
tradução da Ilíada, a do Carlos Alberto Nunes, genial!, feita em
versos bem construídos, com ritmo e belas palavras: um monumento, se
me é lícito dizer essa palavra que alguns hebetados insistem em
desprezar. Além disso, a tradução de Carlos Alberto Nunes, exatamente
a que eu procurava na livraria, é agradável de ler. É um livro que
poderia ser lido prazerosamente por todos.
Todos?
Não, querida leitora. Nem por todos, e nem – dura realidade
– por todos os universitários. Não é pelo vocabulário que pode parecer
desusado, nem pelas inversões sintáticas, fruto do esforço do tradutor
para acompanhar o verso grego, nem pela profusão de nomes que podem
ser desconhecidos aos que não tem nenhum convívio com a cultura
clássica (e que poderiam, portanto, habitar outro planeta). Não é por
nada disso, e posso garanti-lo. O problema que se coloca aqui é mais
uma vez o mesmo de sempre: quanto vale a Ilíada? quanto vale a Eneida?
quanto vale um clássico que não vira mini-série nem filme americano?
Mas essa falta de valor que transforma uma Ilíada, que antes
reinava na estante dos clássicos, num livro paradidático ou
universitário poderia ceder seu lugar, ainda que com grave e
lamentável prejuízo, ao prazer de ler um texto poético, intenso e que
nos une a um passado que se faz presente no que somos e no que
sentimos. E poderíamos, assim, esperar que desse encontro nascesse o
reconhecimento da grandeza que já não podemos dizer mais que seja
imune ao tempo. O tempora!

Disponível em:
<
http://www.blocoson line.com. br/literatura/ arquivos. php?codigo= colunistas/ hcairus/hc0023. php&tipo= prosa

Um comentário:

Patrícia Andréa Borges disse...

Olá, Lidyanne, tudo bom?

Gostei muito do seu blog, achei bem eclético.

Bom, você postou o texto do Prof. Henrique que mais gosto. Na verdade, não é o texto que mais gosto (acho que o professor tem textos muito interessantes, pois a linguagem dele é ímpar!), mas o tema que mais gosto. Adoro Homero e todos sabem disso!

Pior é que fui um dia desses à Livraria Cultura, na galeria 2001 e qual não foi a minha surpresa: estava lá, nos paradidáticos, uma versão do Carlos Alberto Nunes... A explicação que me deram foi que só estudantes de graduação procuram por ele... Pode? Acho que ninguém leu aquele texto do Calvino (???? É Calvino mesmo?) Por que ler os clássicos? E entender a importância dos clássicos na nossa formação como pessoa.

Bom, era isso!

Abraços!

Patrícia Andréa Borges