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quinta-feira, 28 de maio de 2009

Música Erudita

Muito virtuosismo, pouco investimento

Que lugar ocupa a música erudita na vida cultural do brasileiro? Os dados são imprecisos, e os levantamentos, parciais, mas é evidente que existem platéias para esse segmento.

Os espetáculos - mesmo trazidos de fora, com ingresso salgado - raramente estão vazios. É um público pequeno, se comparado ao da música popular, mas é estável. Fiel e abnegado, não hesita em recorrer aos dispendiosos discos importados para manter-se em dia com o que se faz no mundo em relação à arte que ama.

Segundo a Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD), em 2001 foram vendidos apenas 700 mil CDs clássicos em todo o país, cerca de 1% do que movimenta o mercado formal. Isso se refere, porém, aos discos lançados no catálogo nacional, pois a ABPD não faz o controle da venda de importados. Denise Coloti, gerente de compras de áudio na Laserland, uma das lojas mais freqüentadas de São Paulo, esclarece. "Trazemos de 200 a 250 CDs por semana e, desse total, 80% são clássicos. Em média, vendemos de 800 a mil discos importados de música erudita por mês". Isso significa um consumo atual de 120 mil discos, só em uma loja paulista.

Apesar da atuação de certos programadores de concertos, ainda conservadores em suas opções de repertório, a música clássica é a paixão de um grupo interessado em ampliar seus horizontes. A Orquestra Estadual de São Paulo (Osesp) celebrou, recentemente, a conquista de 5 mil assinantes (10.088 assinaturas, levando-se em conta que várias pessoas compram mais de uma série), e tem registrado casa cheia até mesmo com programas supostamente "difíceis" ou "impopulares".

A influência de público é grande também nas duas maiores intituições privadas paulistas de organização de concertos. A Cultura Artística anunciou, no final de março, ter alcançado 2 mil assinantes. O Mozarteum contabilizava 700 e a perspectiva de chegar a mil. Fato importante é a existência de publicações dedicadas exclusivamente à música: a revista mensal Concerto, de São Palo, existe desde 1995, com tiragem de 10 mil exemplares e, desde 1997, tem o site www.concerto.com.br. O anuário Guia Viva Música 1500 entidades musicais brasileiras. O site www.vivamusica.com.br, no ar desde março de 2001, tem listado para 2002 um total de 2145 eventos em 66 cidades brasileiras.

Diante desse quadro, como os responsáveis pela vida musical - músicos, empresários, jornalistas - vêem a relação indústria cultural/música? Na opinião de Nelson Kunze, editor da Concerto, "a música erudita está marginalizada". Na realidade, ele a vê como "uma força de resistência ao rolo compressor da cultura de massa, que aniquila desde manifestações autorais até a autêntica criação regional e popular". Para Jamil Maluf, diretor artístico da Orquestra Experimental de Repertório, em São Paulo, "embora lentos e atrelados a fatores burocráticos e políticos, alguns órgãos públicos têm feito, ultimamente, esforços pontuais para melhorar a situação". No Rio, observa Heloísa Fischer, editora do Viva Música, "hé em média 90 opções musicais por mês, mais do que oferta de filmes ou peças de teatro".

Por que, então, a música clássica é o primo pobre dos investimentos culturais? Heloísa acredita que um dos problemas é a falta de conhecimento do próprio mercado. "A meu ver, o mercado de clássicos precisa ter em mãos as mesmas ferramentas dos demais setores da indústria cultural: levantamentos quantitativos e pesquisas de opinião. E uma entidade que responda por seus interesses, nos moldes da Câmara Brasileira do Livro ou do Sindicato Nacional da Indústria Cinematográfica."

Carlos Eduardo Prazeres, diretor da Orquestra da Petrobrás, acha que a situação da música clássica "infelizmente val mal". Reconhece que "já esteve pior e até se recupera aos poucos, mais ainda requer muitos cuidados, pois não houve preocupação em renovar o público de música erudita no país". Ele parece não concordar com a idéia, defendida por Heloisa Fischer, de que um grupo novo de jovens está chegando às platéias, e observa que não se pode associar indústria cultural e música erudita se não houver público consumidor para esse segmento artístico. "Se todas as rádios tivessem um programa diário de música erudita, se as TVs mantivessem programas clássicos, a médio prazo teríamos um numeroso público consumidor e poderiamos falar seriamente sobre a existência da música erudita da indústria cultural", diz Prezeres.

Nesse sentido, ainda que trabalhando isolada e com inúmeras dificuldades, é fundamental o trabalho da Rádio Cultura de São Paulo, cuja programação erudita, de ótimo nível, oferece a seus ouvintes ciclos temáticos, séries especializadas em gêneros (música de câmara, orquestral, vocal), além da possibilidade de ouvir ao vivo, todo sábado, as tranmissões de ópera do Metropolitan Opera House, de Nova York. Porém, mesmo com as redes que a Cultura tem conseguido formar com emissoras de outros Estados, seu público ainda é reduzido.

Ainda segundo Prazeres, no contexto da música erudita no país, o exemplo da Osesp deveria servir de modelo. "Seu sucesso é resultado de investimento a longo prazo, do poder público. Simples questão de vontade política. No Rio o descanso do poder público é tamanho que se chega ao absurdo de defender o fim de todas as orquestras, para que se tenha uma única orquestra. Ignorância sem precedentes! Em vez de pressionar governo a apoiar o que já existe, fala-se em acabar com o pouco que se tem."

Embora desalentado com o seu Rio de Janeiro, Prazeres se anima ao lembrar que "há muita gente resistindo, por esse Brasil afora". De fato são meritórios os esforços de centros como Campinas, apesar das crises enfrentadas por sua orquestra sinfônica; de Jacareí, onde é realizado um concurso anual para novos talentos; de Tatuí, cujo conservatório é um dos entros de ensino de música mais atuantes no interior do Estado; da Universidade Federal do Paraná, onde o compositor paulista Rodolfo Coelho de Souza está implantando um moderno laboratório de música eletroacústica.

Em meio às iniciativas que funcionam, o maestro Jamil Maluf enfatiza que é preciso lutar contra a falta de ontinuidade das mesmas. "O Brasil sofre da crise 'síndrome do recomeço'. A cobertura, pela imprensa, dos eventos de música erudita é incompleta e recheada de preconceitos, que por vezes engessam e sufocam as iniciativas. As sociedades promotoras de concertos têm, em geral, receio de se aproximar dos artistas nacionais, por razões mais econômicas do que artísticas, e com isso refugiam-se na promoção quase que exclusiva de talentos estrangeiros. Somos todos responsáveis pelas carências do país, e essas responsabilidades têm de ser divididas entre a iniciativa privada e o governo."

Contudo, é importante a vinda dos artistas estrangeiros. "Desprezar a troca de informações com o exterior empobrece nossa visão histórica e estética", pensa Nélson Kunze. Mas ele acha que as temporadas internacionais não devem ser transformadas em "badalação social elitizada", como às vezes acontece com as promoções dos Patronos do Teatro Municipal de São Paulo. A entidade foi criada em 1991 e, desde a morte de José Ermírio de Moraes, seu principal animador, passa por um processo de reformulação. "Os Patronos", dis Nelson, "não deveriam ser os produtores de eventos que, no fundo, atendiam prioritariamente aos interesses e seus associados, mas sim fornecer recursos ao Teatro Municipal, para que ele monte óperas e realize uma programação acessível a públicos mais amplos".

Quanto à obtenção de patrocínios, a música erudita também enfrenta dificuldades. "Música não existe sem apoio do Estado. Cada país encontra seu jeito de viabilizar isso, seja pelo investimento direto, pelas fundações, seja pelo incentivo fiscal. Deixar a música erudita à mercê do mercado equivale a uma sentença de morte", comenta Nélson Kunze, da revista Concerto. Para a empresária paulista Glória Guerra é bom deixar esse apoio por conta de departamentos de marketing que, por desconhecerem o assunto, não encontram soluções para o retorno que esperam. "A alternativa seria a criação de fundações que, mediante recursos prórpios, pudessem desenvolver programas de apoio, formação de músicos e criação de mercado. Cultura faz parte de um processo educacional que não se adaptaa objetivos publicitários de curto prazo."

Entre os entrevistados, a opinião é unânime: em São Paulo encontram-se os melhores exemplos de políticas oficiais bem-sucedidas na área de música erudita. Citam especialmente dois projetos da Secretaria Estadual de Cultura: a Sala São Paulo e o Projeto Guri (que há seis anos ensina música erudita a crianças e adolescentes). Não são os únicos, porém. Glória Guerra lembra que, em Belém, "a Fundação Carlos Gomes, em condições geográficas e financeiras adversas, vem realizando um trabalho de formação de pláteia no interior do Estado, com festivais internacionais de música de câmara, canto e violoncelo".

Para descentralizar e ativar a vida musical de regiões fora do eixo Rio-São Paulo, os festivais exercem papel importante. Dois entre os melhores ocorrem em Manaus (AM) e Belém (PA). O festival do Teatro Amazonas já se estabilizou. Tem em seu ativo produções de alta qualidade. Neste ano, foi realizado a primeira montagem inteiramente nacional de Valquíria,de Ricahrd Wagner, com direção cênica de Aidan Lang e regência de Luiz Fernando Malheiro. O fato auspicioso é que todo o elenco, com exeção da italiana Maria Russo, é formado por cantores nacionais.

"A proposta do festival está calçadas em questões relevantes para a população local", diz Robério Braga, secretário Estadual da Cultura do Amazonas. "Tinhamos um teatro de ópera fantástico, mas não tínhamos ópera. Além disso, era preciso criar pólos de produção cultural que pudessem anunciar a programação com antecedência, na agenda internacional de turismo. Atualmente temos dez centros culturais na cidade, onde alunos estudam música, e há manifestações com professores locais e de fora do Estado. As atividades se interligam visando a profissionalizar o artista local. O festival torna-se, assim, um evento de interesse cultural, social e econômico, gerando empregos e outros reflexos na vida de Manaus."

Outro evento que cresce é o Festival de Belém do Pará. Sua realização deve-se à reforma do histórico Theatro da Paz, inaugurado em fevereiro de 1878, em pleno apogeu do ciclo da borracha. Segundo Paulo Chaves Fernandes, secretário-executivo de Cultura do Estado, foram investidos R$6 milhões na recuperação desse edifício de grande beleza arquitetônica. Neste ano, além de concertos e recitais, o festival de Belém apresenta montagem de Macbeth, de Verdi, e das operetas A Viúva Alegre, de Franz Lehár, e A Noiva do Condutor, de Noel Rosa.

A ópera, graças sobretudo à influência cultural italiana, tem um séquito imenso de fãs no Brasil. Para Jamil Maluf, "é o gênero que atrai mais públio". Mas ele lembra que há poucos teatros dotados de fosso de orquestra são tecnicamente mal equipados para espetáculos mais complexos. "Sem contar que a agenda dos teatros não deixa tempo suficiente de ensaio para as produções e as temporadas são curtas e truncadas."

A opinião é compartilhada por outro maestro paulista, Abel Rocha, que defende: "É preciso acabar com a mentalidade de que ópera tem de ser um espetáculo caro". De fato, trabalhando apenas com os recursos disponíveis nos corpos estáveis de um teatro como o Municipal de São Paulo, haveria condições para a realização de temporadas ágeis e pouco onerosas. O problema, lamenta Abel, é o desperdício. Um exemplo está no Municipal paulista que, por falta de depósito para estocagem, destrói cenários de óperas já apresentadas. E, sobre o investimento na quantidade maior de récitas de uma mesma produção, Rocha é enfático: "Ao formar três elencos para uma Traviata, criam-se chances para mais artistas. E, se uma ópera ficar dois meses em cartaz, é certo que haverá público para todas as apresentações."

Fonte: Caderno T da Revista Bravo - maio/2002

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