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quarta-feira, 10 de junho de 2009

Estoque regulador cultural

Júlio Medaglia

Não é função do Estado comprar e vender feijão. Mas, se por algum acontecimento atípico - climático, mercadológico ou político - o alimento faltar ou atingir preços estratosféricos, o Governo tem o dever de intervir na área. Em geral adquire grande quantidade do produto no exterior, o estoca e vai abastecendo gradativamente o mercado até que ele se regularize - daí "estoque regulador". Como sabemos, o Poder Público tem funções específicas como as de cuidar da saúde, construir estradas, legislar, segurança nacional, educação etc. Sabemos também que produzir cultura é uma atribuição da sociedade. Mesmo porque, no século XX, quando alguns governos mais deslumbrados, de externa esquerda ou direita, se manteram a produzir cultura e mesmo a apontar os caminhos estéticos dessa produção, o resultado foi desastroso.

Mas, se na movimentação cultural, quando a economia de mercado, ao invés de criar condições para a criação e veiculação do bem de consumo artístico de alto repertório, permite ou mesmo atua no sentido de sua deterioração, por ser um componente vital da sociedade, o Poder Público deve, como no caso do feijão, intervir. E isto não significa ditar regras estéticas e sim criar mecanismos para que a boa produção cultural possa ser feita naturalmente por pessoas de talento e oferecida à população.

Neste início de século e de uma psicológica "nova era", o desafio cultural é o de enfrentar os grandes conglomerados que movimentam a economia de mercado no mundo, já que estes atuam no sentido da utilização dos bens culturais e seus subprodutos como objetos meramente mercadológicos. A tendência é de transformar tudo num gigantesco aparato de entretenimento, rico em efeitos pirotécnicos com sofisticada produção, para que tudo alimente ininterruptamente essa máquina globalizada e o princípio do "consuma e descarte". Ora, a criação intelectual joga com o componente sensível da alma humana, com dinâmica própria, portanto não pode ser tratada com os mesmos princípios com os quais se produz um simples parafuso.

Intervenção do Estado significa: subsidiar ou mesmo criar escolas de música; insistir para que o ensino musical volte ao banco escolar para que o jovem conheça as dimensões do universo cultural; criar leis que facilitam a iportância de instrumentos, livros ou equipamentos de produção cultural; insentar de taxas empresas que produzem eventos de qualidade; restaurar, transformar ou construir espaços para a exibição artística; captar recursos para produção de festivais, e assim por diante.

Temos alguns casos isolados significativos no País. No Pará, por exemplo, o Governo do Estado está restaurando de cima a baixo o belíssimo Teatro da Paz, construído no final do século XIX. Pretende inaugurá-la no início do próximo ano, assim como dotá-lo de orquestra de alta qualidade. Em Belém produziu-se em 2001 festivais de canto e de composição com ampla participação de jovens artistas, com grande de êxito. Em Manaus criou-se há quatro anos uma sinfônica de qualidade internacional para o Teatro Amazonas. Com o trabalho de ensino daqueles músicos, hoje a cidade possui 4 orquestras jovens, 2 big-bands de música popular e inúmeros conjuntos que se espalham pela cidade. Há também um significativo festival anual de ópera. Em Joinville, um prefeito absolutamente consciente da necessidade da atuação do poder do Estado na movimentação cultural, trouxe me moscou não apenas a grife Bolshoi, mas todo o know-how da dança daquela tradicional casa, através de professores, do currículo e até de pianistas que lá atuavam. Aqui em São Paulo, também com verbas públicas, tivemos oportunidade de presenciar uma revolução na área da produção de música sinfônica. O Estado não só construiu um espaço apropriado, mas também, uma orquestra de padrão internacional. Incluindo aí um esquema de produção cuja estrutura e atuação é comparável ao de grandes instituições mundiais.

É bom que se diga que, nos países europeus o Estado investe pesadamente em cultura, mesmo porque o retorno, através de bilheteria, impostos e taxas, é maior que o investimento feito. Por essa razão é que lá, os ministérios de cultura e turismo são um só. Em outras palavras, se o estoque regulador do feijão apenas nornatiza o mercado, o da cultura pode dar lucro. Quem diria, heim?!...

http://www.projetomusical.com.br/artigos/index.php?pg=artigo_14

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