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sábado, 8 de janeiro de 2011

Rio e São Paulo perdem templos da cultura

Uma tradicional loja de discos e um conjunto de salas de cinema de rua fecharam suas portas.

O Rio e São Paulo se despedem de dois pontos que marcaram a cultura dessas cidades nas últimas décadas. Uma tradicional loja de discos e um conjunto de salas de cinema de rua fecharam suas portas.

Os filmes são emendados, enrolados, colocados no projetor, e a mágica acontece. “De repente entrou uma senhora na cabine chorando e perguntou, emocionada, se podia se sentar. Eu comecei a chorar também”, conta o projecionista Antonio Vidal da Silva.

Mas hoje o projecionista chora por outro motivo. “Eu esperava sair e o Belas Artes continuar, mas não sair junto com o Belas Artes. Dói muito”, lamenta.

A história que está chegando ao fim começou em 1943 com a inauguração do cinema, na época chamado de Ritz, e que resistiu ao tempo e às crises e fez do ponto em que a Rua da Consolação se encontra com a Avenida Paulista uma esquina do mundo.

“Uma sala estava exibindo um filme havia um tempão, enquanto outra passava um filme europeu que ninguém conhecia, outra mostrava um filme russo e outra um filme americano legal, como um Wood Allen. Então, tinha uma mistura muito boa aqui”, comenta o ator Dan Stulbach.

Reformado em 1983, o cinema Belas Artes, com seis salas, virou o primeiro multiplex do país. Nele, um filme francês que não ganhou Oscar nem nada já foi visto por 70 mil pessoas e está há três anos em cartaz simplesmente porque é bom.

“Na minha opinião, é a sala de cinema com melhor programação da cidade, mais diversificada”, afirma o professor de história André Marques.

Mas esse prédio cheio de histórias tinha um dono que morreu e tem herdeiros que já avisaram: querem o imóvel de volta e querem novos inquilinos. O Belas Artes se prepara para as últimas sessões.

No Rio, é um templo da boa música que já chegou ao fim. Era uma vez, um rapaz que amava os Beatles e os Rolling Stones. E também Pixinguinha, Cartola, Tom Jobim, tudo o que havia de melhor na MPB, no rock, na música pop. Incentivado por essa paixão, Pedro Passos fundou uma primeira loja em uma rua menor de Copacabana. Pouco depois, em novo endereço, foi a vez da Modern Sound.

A Modern Sound era uma loja onde a pessoa encontrava desde a música que era o sucesso mais recente em Londres, Paris ou Nova York até aquele disco antigo que tinha sumido das lojas tradicionais. A loja começou a funcionar em 1966 e fechou as portas em 31 de dezembro do ano passado.

O início foi no apogeu do disco de vinil. “Era uma casa de discos diferente das outras, como eu não vi em lugar nenhum do mundo por onde passei”, afirma o músico João Donato.

Dos anos 80 em diante, foi a vez dos CDs. Nos últimos dez anos, vieram os shows. Eram 400 por ano

“Eu fiz show em homenagem aos donos da casa, pela resistência durante esses anos todos às dificuldades”, diz o cantor Emílio Santiago.

Ao lado de Pedro, o criador da Modern Sound, Emílio Santiago lamenta o fim da loja. “Essa pirataria terrível prejudica bastante”, avalia.

O cineasta alemão Wim Wenders filmou ali parte de um documentário sobre as seis melhores lojas de discos do mundo.

O crítico cultural Arthur Dapieve acredita que o futuro vai ser em lojas pequenas. "A tendência é que lojinhas mais setorizadas, com um tipo de música mais específico, sobrevivam para um público bem específico também”, diz.

Os frequentadores do cinema Belas Artes estão inconformados. Haverá abaixo-assinado e protestos, mas o dono, André Sturm, acha que só um milagre pode salvar. “Eu não queria fazer um funeral. Então, vamos fazer uma celebração do cinema. Vamos exibir vários filmes clássicos que passaram no Belas Artes”, planeja.

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