Entre as maiores experiências que se pode proporcionar a um músico está a descoberta de uma música até então desconhecida. Esta experiência certamente independe da idade da obra: ouvir pela primeira vez ou executar pela primeira vez uma música do século XVII ou XVIII pode ser tão emocionante quanto entrar em contato com uma nova composição contemporânea. O encontro com Castor et Pollux de Rameau foi para nós, do Concentus Musicus de Viena, uma experiência desse gênero. Naturalmente conhecíamos toda a significação histórico-musical dos escritos teóricos de Rameau, alguns de nós conheciam inclusive sua música de câmara e suas obras para cravo, ou mesmo uma ou outra de suas cantatas. Sabíamos também que suas óperas eram tidas por ele mesmo e por seus contemporâneos com entre as mais importantes e mais belas produzidas do século XVIII. Mesmo assim, esse episódio representou para nós uma aventura, um encontro com algo totalmente inesperado. Mesmo em nossos sonhos mais audaciosos não poderiamos imaginar que música tão grandiosa e totalmente revolucionária para o seu tempo poderia estar contida naqueles volumes de biblioteca.
Com isso, fomos levados a algumas considerações sobre os fatores que determinam o caráter efêmero das obras-primas da música ou de sua importância com relação a épocas posteriores. Por que será que certas obras estão fadadas a ficarem célebres, conhecidas e executadas por toda parte? Certamente, existe o julgamento "infalível" da história que separa o joio do trigo. Mas uma obra, antes de passar por essa prova , precisa ser tirada dos arquivos em que dorme , muitas vezes há séculos, e ser executada. No caso de Rameau, é possível que isso tenha acontecido devido ao fato de que a música francesa, no século XVIII e mesmo um pouco mais tarde, permaneceu bastante isolada do resto da vida musical européia que teve um importante papel. A França foi o único país a não acolher a linguagem internacional da música barroca italiana, à qual opôs seu próprio idioma musical, totalmente diverso. Pode ser que a música francesa sempre tenha sido, para o restante dos europeus, uma espécie de língua estrangeira, cuja beleza só se pode mostrar àquele que dela se ocupe intensamente e com paixão. Mesmo conosco, músicos, isso acontece. Enquanto a música italiana agrada de imediato, mesmo em uma execução com várias falhas, a música francesa primeiro precisa ser trabalhada assiduamente até que o músico e o ouvinte cheguem a seu conteúdo, à sua mensagem. É bem possível que justamente este temor tão difundido face à música francesa tenha retardado o renascimento das grande obras de Rameau.
Ao realizarmos os primeiros ensaios orquestrais de Castor et Pollux, tínhamos necessidade, a cada momento, de relembrar que aquela música havia sido composta em 1737, na época das grandes obras de Haendel e Bach! A novidade antes nunca ouvida desta linguagem sonora deve ter sido, para a época, algo de muito perturbador: trata-se da mesma linguagem de Gluck e, sob certos aspectos, já aquela dos clássicos vienenses, com uma antecipação de mais de quarenta anos. Parecia-nos impossível que um único compositor tivesse podido inventar um tratamento da orquestra e uma instrumentação tão radicalmente novos. Neste campo, Rameau não teve predecessores. Sem dúvida, sua harmonia é surpreendente, fascinante; os seus contemporâneos fora da França consideravam algumas de suas dissonâncias e desenvolvimentos harmônicos francamente chocantes e detestáveis. Alguns compositores mais antigos, franceses ou mesmo, já haviam, no entanto, abordado harmonias bastante avançadas.
Tivemos exatamente o mesmo sentimento que Debussy descrevera em uma crítica sobre a execução de Casto et Pollux, ou seja, que praticamente tudo quanto se havia atribuído anteriormente a Gluck, já se achava muito tempo em Remeau, numa forma musicalmente perfeita. Mesmo sem ter conhecido o texto de Debussy, o paralelo Gluck- Rameau ficou claro para nós desde o primeiro instante. Assim, numa época em que a evolução se fazia sensivelmente mais lenta que a nossa, inovações no domínio da realização sonora, musical dramática que situamos nos anos de 1770 foram na realidade cristalizadas 40 anos antes. O que significam, então, esses "paralelos" musicais? Rameau viveu cedo demais, este deve ter sido o seu "erro".
Fonte: Texto retirado do livro de Nikolaus Harnoncourt - "O Discurso dos Sons"
Com isso, fomos levados a algumas considerações sobre os fatores que determinam o caráter efêmero das obras-primas da música ou de sua importância com relação a épocas posteriores. Por que será que certas obras estão fadadas a ficarem célebres, conhecidas e executadas por toda parte? Certamente, existe o julgamento "infalível" da história que separa o joio do trigo. Mas uma obra, antes de passar por essa prova , precisa ser tirada dos arquivos em que dorme , muitas vezes há séculos, e ser executada. No caso de Rameau, é possível que isso tenha acontecido devido ao fato de que a música francesa, no século XVIII e mesmo um pouco mais tarde, permaneceu bastante isolada do resto da vida musical européia que teve um importante papel. A França foi o único país a não acolher a linguagem internacional da música barroca italiana, à qual opôs seu próprio idioma musical, totalmente diverso. Pode ser que a música francesa sempre tenha sido, para o restante dos europeus, uma espécie de língua estrangeira, cuja beleza só se pode mostrar àquele que dela se ocupe intensamente e com paixão. Mesmo conosco, músicos, isso acontece. Enquanto a música italiana agrada de imediato, mesmo em uma execução com várias falhas, a música francesa primeiro precisa ser trabalhada assiduamente até que o músico e o ouvinte cheguem a seu conteúdo, à sua mensagem. É bem possível que justamente este temor tão difundido face à música francesa tenha retardado o renascimento das grande obras de Rameau.
Ao realizarmos os primeiros ensaios orquestrais de Castor et Pollux, tínhamos necessidade, a cada momento, de relembrar que aquela música havia sido composta em 1737, na época das grandes obras de Haendel e Bach! A novidade antes nunca ouvida desta linguagem sonora deve ter sido, para a época, algo de muito perturbador: trata-se da mesma linguagem de Gluck e, sob certos aspectos, já aquela dos clássicos vienenses, com uma antecipação de mais de quarenta anos. Parecia-nos impossível que um único compositor tivesse podido inventar um tratamento da orquestra e uma instrumentação tão radicalmente novos. Neste campo, Rameau não teve predecessores. Sem dúvida, sua harmonia é surpreendente, fascinante; os seus contemporâneos fora da França consideravam algumas de suas dissonâncias e desenvolvimentos harmônicos francamente chocantes e detestáveis. Alguns compositores mais antigos, franceses ou mesmo, já haviam, no entanto, abordado harmonias bastante avançadas.
Tivemos exatamente o mesmo sentimento que Debussy descrevera em uma crítica sobre a execução de Casto et Pollux, ou seja, que praticamente tudo quanto se havia atribuído anteriormente a Gluck, já se achava muito tempo em Remeau, numa forma musicalmente perfeita. Mesmo sem ter conhecido o texto de Debussy, o paralelo Gluck- Rameau ficou claro para nós desde o primeiro instante. Assim, numa época em que a evolução se fazia sensivelmente mais lenta que a nossa, inovações no domínio da realização sonora, musical dramática que situamos nos anos de 1770 foram na realidade cristalizadas 40 anos antes. O que significam, então, esses "paralelos" musicais? Rameau viveu cedo demais, este deve ter sido o seu "erro".
Fonte: Texto retirado do livro de Nikolaus Harnoncourt - "O Discurso dos Sons"
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