14/07/2002 - 00:00 | Edição nº 217 - Elvis Presley era um garoto caipira do Mississippi que conseguiu incorporar o espírito da música negra e faturou alto em cima do rock de uma maneira que seus criadores nunca puderam porque não tinham a cor certa da pele numa América racista. Ele foi relevante musicalmente apenas no período 1954-1958, quando gravou praticamente todas as músicas pelas quais é lembrado. Depois que entrou para o Exército, como todo bom moço americano, sua relevância acabou, dedicando-se depois da baixa militar a filmes irrelevantes e a shows ao estilo Las Vegas. Este período diluiu totalmente o rapaz rebeldinho do começo e sua volta às paradas hoje, 25 anos após sua morte, vem no bojo de grandes corporações, Walt Disney Pictures (''Lilo & Stitch'') e Nike, num fim coerente com sua postura de artista do establishment. O pior lado de Elvis ficava longe do olhar das multidões e da máquina publicitária comandada por seu implacável empresário, o coronel Tom Parker. Elvis era um típico americano reacionário do Sul, apesar do escândalo que sua beleza e postura sensual no palco causava junto aos mais velhos na época em que começou (na sua primeira aparição no programa de Ed Sullivan ele só foi focalizado da cintura para cima). Era um amante das armas e adorava um uniforme policial. Ao longo de sua carreira colecionou distintivos de delegado e de xerife que lhe eram concedidos por associações policiais as quais cortejava com quase o mesmo fervor que se dedicava a conquistar meninas bonitas. No casamento de um dos integrantes de sua turminha de Memphis, formada por 12 caras que tinham do bom e do melhor às suas custas, Elvis apareceu com quatro armas, distintivo de xerife, algemas e uma lanterna usada para controlar o trânsito. Ele colecionava armas e costumava treinar com sua gangue nos estandes da academia de polícia onde quer que estivesse, graças às suas boas relações com o aparato policial. O episódio mais emblemático está relatado com detalhes na biografia ''Careless love'', de Peter Guralnick, considerada a mais completa sobre o rei (são 1500 páginas em dois volumes). Elvis queria ser uma espécie de agente federal da luta contra o comunismo e as drogas e foi a Washington em dezembro de 1970 para pedir audiências ao presidente Richard Nixon e ao diretor do FBI, J. Edgar Hoover. Graças a seu prestígio foi recebido quase que imediatamente por Nixon, que levou um susto, segundo seu assessor Egil Bud Krogh, ao ouvir de Elvis que os Beatles eram um ponto central do antiamericanismo, que ganharam muito dinheiro na América e depois foram para a Inglaterra fomentar os sentimentos contra a América. Nixon lhe disse que ele precisava tomar cuidado para manter a credibilidade. Elvis saiu da Casa Branca todo feliz com um distintivo do Bureau de Narcóticos e Drogas Perigosas, como agente honorário. Hoover não estava em Washington, Elvis voltou para passar o Natal em Memphis e retornou a Washington para ver Hoover, que continuava ausente, mas ele visitou a sede do FBI e, nas palavras do agente que o ciceronou, fez a seguinte oferta: 'ele disse que de tempos em tempos é abordado por individuos ou grupos de dentro e de fora do negócio de entretenimento cujos motivos e objetivos não servem aos melhores interesses do país. Ele se voluntariou para tornar estas informações disponíveis para o FBI em bases confidenciais. ' E voltou a bombardear o Fab Four: 'Presley atribuiu aos Beatles, com sua aparência suja e desleixada e música sugestiva, a raiz de muitos problemas que estamos tendo com os jovens'. Na época, os jovens americanos estavam rebelados contra a convocação para a guerra do Vietnam, o movimento hippie e pacifista estava a pleno vapor e o governo de Richard Nixon mandava tropas para reprimir os protestos nos campi universitários. A campanha para expulsar John Lennon dos Estados Unidos quando ele se engajou na luta contra a guerra e o racismo (com os Panteras Negras) foi orquestrada pela Casa Branca. Tudo isso com o apoio de Elvis Presley. E sua atitude contra as drogas era no mínimo cínica, porque ele era um pesado consumidor de barbitúricos. O resultado de sua autópsia, divulgado dois meses depois de sua morte, ocorrida em 16 de agosto de 1977, afirmou que havia 14 substâncias tóxicas em seu organismo, 10 delas em quantidades significativas. Elvis tomava três coquetéis diários de barbitúricos. Nada mal para um paladino da guerra contra as drogas.
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