Dom, 28/09/08 - Graceland é um belo investimento. Emprega 450 pessoas e fatura alguns milhões de dólares por ano. A casa-museu de Elvis é uma empresa administrada de modo profissional, e exibe aquela paisagem típica de shopping center que é a cara de quase tudo nos Estados Unidos: lachonetes, lojinhas, áreas de descanso, imensos estacionamentos – no caso de Elvis, há até uma área para a exibição de seus dois aviões. A morte de Elvis, motivada por uso de drogas que obtinha com receita médica, foi um choque mas gerou reações diferentes daquelas provocadas pela morte de Janis Joplin e Jimmi Hendrix, uma década antes. Talvez porque eles fossem mais jovens. Ou porque, contrariando a definição que Graceland deu para Elvis, eram “perigosos demais.” Pelo menos pareciam. Havia um mundo em chamas que cercava Janis Jopllin e Jimmi Hendrix. Elvis não era visto assim. Morreu como se tivesse sido vítima de uma doença. Foi uma espécie de morte anunciada, como se ele já coubesse em seu próprio tempo. O Vernon, pai de Elvis, que enfrentou a dor suprema de perder o próprio filho, escreveu que Deus chamara seu filho “porque ele precisava descansar um pouco.” Quando Elvis morreu, ele já não despertava esperanças nem medos. Cantava num imenso hotel de Las Vegas e parou Nova York quando foi até lá apresentar seu show.
Estava gordo, tinha o cabelo tão preto que parecia pintado, já não usava aquele topete imenso e usava macações de piloto de corrida, com cortes e estampas muito variadas. Uma delas apresentava um tigre que lembra uma peça de marketing da Esso. Outra tinha uma motivação mística, lembrava desenhos de um templo asteca. Andando pela casa, você chega ao jardim e, de repente, a um lugar onde estão os túmulos do próprio Elvis, de seu pai, de sua mãe e de uma avó. Também se vê uma placa, em homenagem a seu irmão gêmeo, que nasceu morto. O túmulo de Elvis se localiza entre estatuetas de anjos, bichos de pelúcia, um pequeno tigre, muitas flores e algumas bandeiras. Aquele ponto do jardim onde estão os túmulos é descrito, num pequeno cartaz, como um dos lugares preferidos de Elvis Presley, que ali se recolhia para meditar. Minha impressão é que ele não se sentia bem em lugar algum. Em Graceland, Elvis pode ser visto em filmes, fotos, quadros, esculturas, no que você quiser. Mas eu acho que ele está na coleção de carros e motos. São várias Harley Davidson, que ele começou a comprar logo no início da carreira e não parou mais. Algumas dessas motos são tão grandes e muito pesadas, a maioria, hoje, só existe em livros. Contei quatro Cadillacs – inclusive um rabo de peixe cor de rosa, 1953, que é descrito como o preferido dele. Mas também vi uma Ferrari, uma rara MG dos anos 60, um Lincoln Continental feito sob encomenda, com teto dourado e textura de crocodilo. Elvis também encomendou dois carros fora do comércio, com um estilo particularmente original. Acho que entendi a personalidade de Elvis quando vi os carros de sua coleção. Eu acho que ele não tinha vida pessoal. Numa entrevista filmada quando se encontrava no apogeu do sucesso, um repórter pergunta sobre sua namorada. Elvis se diverte dizendo que tinha mais de uma, revela que a mais próxima não conseguiu despedir-se quando estava a caminho de um aeroporto e pede para parar de falar para não criar mais confusão. Há um exibicionismo em seu sorriso confiante – como se as namoradas fossem admiradoras promovidas, quem sabe cooptadas daquele grupo de meninas que arrancava os cabelos e lacrimejava nas proximidades do palco. Mas Elvis tinha automóveis. Dá para ver que fazia questão de perseguí-los com capricho. As fotos mostram um sujeito feliz ao volante de um Cadillac, rosto na janela, acenando para uma fotografia. Será que havia alguém para receber a saudação? Não era preciso. Elvis acenava para os fotógrafos – e assim saudava o mundo. Este era o espetáculo. Um dos aspectos mais intrigantes da vida moderna são excessos. As carências incomodam porque refletem grandes injustiças. Podem ser explicadas – ou pelo menos temos diversas teorias para explicá-las. Mas: e os excessos? O que uma pessoa pode fazer com bilhões de dólares: gastar na filantropia?
Tentar ganhar mais bilhões. Disputar o poder? Warren Buffett, um dos homens mais ricos de nosso tempo, partilha com Elvis o gosto por grandes aviões privados – mas despeja boa parte de sua fortuna em obras sociais. Não prcisamos debater a eficacia desse tipo de auxílio para os próprios beneficiários. Mas tenho certeza de que ele ajuda o próprio Warren Bueffett a definir um sentido para sua vida e encontrar um papel social aceitável. Elvis era o espetáculo de seus excessos. Não teve uma casa, mas um museu – que frequentava quando estava vivo. Não se conhece nenhuma idéia que Elvis tenha defendido em sua vida. Guardou todas suas opiniões para si. Era uma espécie de Deus mas ninguém foi tão parecido com o americano comum. O choque de sua casa é a banalidade. Deixou um respeitável conjunto de interpretações inesquecíveis. Essa é a história em Graceland. Elvis vive como sempre viveu – estranhamente.
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